OS ANJOS SÃO SERES RACIONAIS E MORAIS


‘‘A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar’’ (1 Pe 1.12).

Estudar angelologia, ramo da teologia que estuda os seres angelicais, é um grande desafio. Ainda mais hoje, quando o ensino bíblico nos púlpitos é escasso e muitos cristãos podem ser facilmente iludidos por fundamentos teológicos dissimulados. Para evitar um desvio da verdade quanto ao tema, pretendo colaborar com a compreensão bíblica acerca da natureza dos seres angelicais em breves pastorais.

Por “natureza” busca-se compreender a essência, o conjunto de características próprias dos anjos, isto é, o que os constitui em seu cerne, bojo, âmago. Dentro desse aspecto fundamental, a angelologia bíblica oferece fundamentos para crermos que os anjos são seres racionais e morais. Deus fez todas as coisas segundo seu propósito, “conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11), inclusive os seres angelicais. Assim, como bem declarou Wayne Grudem, teólogo de Cambridge, “os anjos são prova de que o mundo invisível é real”.

Os aspectos da racionalidade e da moralidade fundamentam a vontade angelical, suas escolhas e decisões, seus propósitos e interesses, suas disposições e aspirações, seja para o bem, seja para o mal (abordarei esse último aspecto em outro estudo, adiante).

Os anjos são seres racionais porque a Bíblia atribui a eles intelectualidade. Ora, além da capacidade notória da fala, esses seres pessoais possuem sabedoria, razão pela qual Absalão e Davi lhes são comparados: “Dizia mais a tua serva: Seja, agora, a palavra do rei, meu senhor, para a minha tranqüilidade; porque, como um anjo de Deus, assim é o rei, meu senhor, para discernir entre o bem e o mal. O SENHOR, teu Deus, será contigo. 20 Para mudar o aspecto deste caso foi que o teu servo Joabe fez isto. Porém sábio é meu senhor, segundo a sabedoria de um anjo de Deus, para entender tudo o que se passa na terra”. (II Sm 14.17, 20; II Sm 19.27).

Além da sabedoria, os anjos também possuem conhecimento sobre-humano (Ef 3.10), enfim, altíssima compreensão e percepção das realidades espirituais e humanas, como fica notório nas revelações de Deus ao profeta Daniel (Dn 8.16; Dn 9.22; Dn 10.14), ainda que limitadamente (Mt 24.36; 1 Pe 1.12). Essa intelectualidade engloba todos os anjos. O diabo, por exemplo, arma ciladas sagazmente (Ef 6.11; 2 Tm 2.26; Gn 3.1). Portanto, não acreditamos que os seres angelicais sejam meros conceitos abstratos do bem ou mal.

A Bíblia prescreve que os seres angelicais possuem moralidade. Sim, os anjos são seres morais porque as Sagradas Escrituras atribuem a eles um padrão de conduta, ou seja, estão sob obrigação moral na qual foram recompensados pela obediência e punidos pela desobediência: “porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos”... “vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Mc 8.38; Jo 8.44). É o que estabelece a dicotomia santos anjos e pai da mentira/homicida, anjos eleitos e reprovados/caídos, espíritos ministradores e espíritos malignos, anjos bons e maus.

De um jeito ou de outro, os anjos sempre estiveram ao nosso redor. Seja na história ou nas estórias, na Bíblia ou em outros escritos religiosos, em filmes ou séries de televisão, os anjos estão lá. Assim, em meio a esse vasto e observável universo angelical, oro para que a Igreja de Jesus veja os seres angelicais como eles realmente são: seres criados, espirituais, incorpóreos, racionais e morais. 

Rev. Ângelo Vieira da Silva


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O PRIMEIRO CULTO PROTESTANTE NO BRASIL



O dia 10/03 remete-nos à lembrança dos acontecimentos em torno do primeiro culto protestante no Brasil. É uma data muito especial. Quer conhecê-la? Pois bem, vejamos seu contexto histórico.

1. O Contexto Histórico

O Brasil era colônia portuguesa em regime de “Padroado”. O historiador presbiteriano, Dr. Alderi Matos, define o padroado como sendo “uma concessão feita pela Igreja Católica a determinados governantes civis, oferecendo-lhes certo controle sobre a igreja em seus respectivos territórios como um reconhecimento por serviços prestados à causa católica e um incentivo a futuras ações em benefício da igreja”. Em 1493, o Papa Alexandre VI redigiu um documento declarando a supremacia espanhola sobre as terras descobertas. Em 1494, o Tratado de Tordesilhas determinou o que seria da Espanha e o que seria de Portugal nas novas descobertas. Em 1549, chegaram os primeiros seis jesuítas ao Brasil (a Companhia de Jesus foi organizada 9 anos antes, em 1540). Em 1553, chega o mais famoso dos jesuítas, José de Anchieta. Em 1555, sob a liderança de Nicolas Durand de Villegaignon, um grupo de seiscentos franceses fundaram o Forte Coligny na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, dando origem à “França Antártica”, ficando assim conhecida como “a Invasão Francesa”.

2. A Chegada dos Protestantes

Villegaignon solicitou a João Calvino o envio de pastores. Em 07/03/1557, chegaram dois pastores (Pierre Richier e Guillaume Chartier), um grupo de huguenotes (protestantes franceses) e refugiados vindos de Genebra, numa segunda expedição. Em 10/03/1557 celebraram o primeiro culto protestante em solo brasileiro. Em 21/03/1557 ocorreu a primeira celebração da Santa Ceia em rito Genebrino. 

3. A Confissão de Fé de Guanabara

Infelizmente Villegaignon não era o que todos pensavam. Assim, o “ex-frade” Jean Cointac levantou questões sobre o sacrifício da missa, a doutrina e usos dos sacramentos, a invocação e mediação dos santos, a oração pelos mortos, o purgatório e muitas outras que fizeram com que Villegaignon posicionasse católico e passasse a perseguir os huguenotes. Esses últimos buscaram refúgio entre os índios tupinambás. Tentaram fugir por navio, mas esse afundou. Cinco voltaram e foram aprisionados por Villegaignon. Surgiu assim a “Confissão de Fé da Guanabara” que culminou no enforcamento dos calvinistas.

O documento em anexo é um testemunho fiel das Sagradas Escrituras. É uma prova do preparo e do conhecimento profundo que os primeiros protestantes no Brasil detinham. A ‘Confissão de Fé de Guanabara’ é a profissão de fé desses irmãos protestantes, obrigados por Villegaignon, escrita no prazo de doze horas, respondendo à várias perguntas formuladas maliciosamente. Mais do que sua confissão de fé, os primeiros protestantes no Brasil estavam assinando a própria sentença de morte diante do ‘desconvertido’ Villegaignon. Incentivo os queridos irmãos a lerem o documento abaixo. Vale a pena ler e aprender com a história. 

Ao final de tudo, alguns conseguiram escapar e outros foram condenados à morte. Os que morreram foram enforcados e seus corpos atirados de um despenhadeiro em 1558. Antes de morrer, entretanto, deixaram um testemunho que ficou registrado para a posteridade e, pela graça de Deus em Jesus Cristo, para a eternidade.

Rev. Ângelo Vieira da Silva

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CONFISSÃO DE FÉ DE GUANABARA
Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon

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Segundo a doutrina de S. Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os cristãos devem estar sempre prontos para dar razão da esperança que neles há, e isso com toda a doçura e benignidade, nós abaixo assinados, Senhor de Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e começando no primeiro artigo:

I. Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas as coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos profetas, sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e perseverança em todo bem.
Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade de Deus em fé ou particularmente.

II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana nele inseparáveis.

III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a Palavra de Deus e a doutrina apostólica, e o símbolo,[1][3] nos ensinam.

IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, em forma visível e humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em que nos predisse no capítulo vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de julgar, a Ele dado pelo Pai, sendo homem. E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pai aparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que o poder do Pai, dado ao Filho, será manifestado no dito juízo, não todavia que queiramos confundir as pessoas, sabendo que elas são realmente distintas uma da outra.

V. Cremos que no santíssimo sacramento da ceia, com as figuras corporais do pão e do vinho, as almas fiéis são realmente e de fato alimentadas com a própria substância do nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são alimentados de alimentos, e assim não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados no seu corpo, porque o pão continua em sua natureza e substância, semelhantemente ao vinho, e não há mudança ou alteração. Distinguimos todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso comum, sendo que este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é infalivelmente recebida. Ora, esta recepção não se faz senão por meio da fé e nela não convém imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer, como santo Agostinho nos ensina, dizendo: “Porque preparas tu os dentes e o ventre? Crê, e tu o comeste.” O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada; mas Nosso Senhor Jesus Cristo, por seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz participantes da sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus benefícios.
Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Cristo: “Este pão é meu corpo.” Tertuliano, no livro quarto contra Marcião, explica estas palavras assim: “este é o sinal e a figura do meu corpo.” S. Agostinho diz: “O Senhor não evitou dizer: — Este é o meu corpo, quando dava apenas o sinal de seu corpo.” Portanto (como é ordenado no primeiro cânon do Concílio de Nicéia), neste santo sacramento não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho, que nos são neles propostos por sinais, mas levantar nossos espíritos ao céu para contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado à destra de Deus, seu Pai.  Neste sentido podíamos jurar o artigo da Ascensão, com muitas outras sentenças de Santo Agostinho, que omitimos, temendo ser longas.

VI. Cremos que, se fosse necessário pôr água no vinho, os evangelistas e São Paulo não teriam omitido uma coisa de tão grande conseqüência.  E quanto ao que os doutores antigos têm observado (fundamen­tando-se sobre o sangue misturado com água que saiu do lado de Jesus Cristo, desde que tal observância não tem fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da instituição da Santa Ceia isso aconteceu), nós não podemos hoje admitir necessariamente.

VII. Cremos que não há outra consagração senão a que se faz pelo ministro, quando se celebra a ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem conhecida, a instituição desta ceia literalmente, segundo a forma que nosso Senhor Jesus Cristo nos prescreveu, admoestando o povo quanto à morte e paixão do nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração é a palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente pronunciadas sobre os sinais não podem ser a consagração como aparece da instituição que nosso Senhor Jesus Cristo deixou aos seus apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discípulos presentes, aos quais ordenou tomar e comer.

VIII. O santo sacramento da ceia não é alimento para o corpo como para as almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo quinto) recebendo-o por fé, a qual não é carnal.

IX. Cremos que o batismo é sacramento de penitência, e como uma entrada na igreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão de nossos pecados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente, só pela morte de nosso Senhor Jesus. De mais, a mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem, representada pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso Senhor Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observaram, usando de água em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Quanto aos exorcismos, abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos como tradições dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por nosso Senhor Jesus.

X. Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem.  Por esta causa, diz São Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filho de Israel: “Tua perdição é de ti, ó Israel.” Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito. Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio, e reforma a vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este santo apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer, mas em mim não acho o realizar.” O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência. A este propósito, S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.

XI. Cremos que pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da qual, como diz santo Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele condena ou absolve, não é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia.
Santo Agostinho, neste lugar diz que não é pelo mérito dos homens que os pecados são perdoados, mas pela virtude do Santo Espírito. Porque o Senhor dissera aos seus apóstolos: “recebei o Santo Espírito;” depois acrescenta: “Se perdoardes a alguém os seus pecados,” etc. Cipriano diz que o servo não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.

XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há necessidade de conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode dar o Santo Espírito, porquanto isto só a Deus pertence. No tocante à ordem eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela escreveu na primeira epístola a Timóteo, e em outros lugares.

XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por casamento não se pode fazer senão por causa de adultério, como nosso Senhor ensina (Mateus 19:5). E não somente se pode fazer a separação por essa causa, mas também, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, se não podendo conter-se, deve casar-se, como São Ambrósio diz sobre o capítulo sete da Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado, todavia, deve nisso proceder com madureza de conselho.

XIV. São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que não lhe seja lícito tornar a casar, mas o santo apóstolo condena a bigamia a que os homens daqueles tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento aos mais versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa fé sobre esse ponto.

XV. Não é lícito votar a Deus, senão o que ele aprova. Ora, é assim que os votos monásticos só tendem à corrupção do verdadeiro serviço de Deus. É também grande temeridade e presunção do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto que a santa Escritura nos ensina que a continência é um dom especial (Mateus 15 e 1 Coríntios 7). Portanto, segue-se que os que se impõem esta necessidade, renunciando ao matrimônio toda a sua vida, não podem ser desculpados de extrema temeridade e confiança excessiva e insolente em si mesmos. E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da continência é em alguns apenas temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os monges, padres e outros tais que se obrigam e prometem viver em castidade, tentam contra Deus, por isso que não está neles o cumprir o que prometem. São Cipriano, no capítulo onze, diz assim: “Se as virgens se dedicam de boa vontade a Cristo, perseverem em castidade sem defeito; sendo assim fortes e constantes, esperem o galardão preparado para a sua virgindade; se não querem ou não podem perseverar nos votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo da lascívia por seus prazeres e delícias.” Quanto à passagem do apóstolo S. Paulo, é verdade que as viúvas tomadas para servir à igreja, se submetiam a não mais casar, enquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes reputasse ou atribuísse alguma santidade, mas porque não podiam bem desempenhar os deveres, sendo casadas; e, querendo casar, renunciassem à vocação para a qual Deus as tinha chamado, contudo que cumprissem as promessas feitas na igreja, sem violar a promessa feita no batismo, na qual está contido este ponto: “Que cada um deve servir a Deus na vocação em que foi chamado.” As viúvas, pois, não faziam voto de continência, senão porque o casamento não convinha ao ofício para que se apresentavam, e não tinha outra consideração que cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes permitido casar que se abrasar e cair em alguma infâmia ou desonestidade. Mas, para evitar tal inconveniência, o apóstolo São Paulo, no capítulo citado, proíbe que sejam recebidas para fazer tais votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que é uma idade normalmente fora da incontinência. Acrescenta que os eleitos só devem ter sido casados uma vez, a fim de que por essa forma, tenham já uma aprovação de continência.

XVI. Cremos que Jesus Cristo é o nosso único Mediador, intercessor e advogado, pelo qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e por ele já reconciliados teremos plena vitória contra a morte. Quanto aos santos mortos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do Reino de Deus, e que o número dos eleitos se complete; todavia, não nos devemos dirigir a eles como intercessores para obterem alguma coisa, porque desobedeceríamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, enquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escrituras.

XVII. Quanto aos mortos, São Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, no capítulo quatro, nos proíbe entristecer-nos por eles, porque isto convém aos pagãos, que não têm esperança alguma de ressuscitar. O apóstolo não manda e nem ensina orar por eles, o que não teria esquecido se fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Salmo 48, diz que os espíritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida; que se nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.

Esta é a resposta que damos aos artigo por vós enviados, segundo a medida e porção da fé, que Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes produza frutos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar nela, lhe rendamos graças e louvores para sempre. Assim seja.

Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fon.


A BASE BÍBLICA DA ADORAÇÃO


Em textos anteriores já  refletira sobre adoração, principalmente quanto ao seu significado cristão. Porém, ainda que já tenha verificado alguns textos bíblicos sobre o tema, não fiz um exame aprofundado sobre as suas bases. Entenda: por "base" me refiro aquilo que serve de fundamento, apoio ou sustentáculo. Se a Bíblia é a Palavra de Deus para os cristãos, consequentemente evidencia-se como seu "Manual de Adoração", ou seja, ela ensina os cristãos sobre como devem adorar, dando-lhes os principais fundamentos, apoios e/ou sustentáculos para a adoração como um estilo de vida. Eis o objetivo nessa breve reflexão.

Adorar é um verbo. Por isso, a adoração bíblica pode ser percebida sobre a perspectiva de quatro verbos gregos fundamentais:

1) ADORAÇÃO É RENDER-SE.

A palavra grega é PROSKUNEO. Literalmente, significa "beijar e adorar", como atos simultâneos, estando intimamente ligado a idéia de "ajoelhar-se"; daí, "render-se". Essa palavra era usada para mostrar um reverente temor diante de um superior ou homenagem diante de um rei, isto é, o reconhecimento de seu poder e soberania (Mc 15.19). Era a prática do escravo diante de seu Senhor. Era uma atitude de humildade diante da graça abundante de Cristo (Lc 5.8). Era um sinal de fé (Jo 9.38), sendo associada com a oração e ressaltando sinceridade e urgência (At 7.60; At 9.40). Portanto, precisamos concluir que a palavra PROSKUNEO basicamente nos levará a declarar: “reconheço a minha inferioridade e a sua superioridade; coloco-me a sua inteira disposição”. Caro leitor (a), você tem este sentimento em relação a adoração?

2) ADORAÇÃO É SERVIR.

A palavra grega é LATREIA. Essa palavra é usada geralmente para o serviço a Deus, o culto. A característica do Antigo Testamento em relação ao termo sugere que a adoração verdadeira a Deus não é um ritual meticulosamente cumprido, mas sim obediência à voz do Senhor, que brota da gratidão pelos atos divinos de salvação na história (Dt 10.12-13). Todas as 21 vezes que o vocábulo aparece no Novo Testamento é no sentido religioso. Em Hebreus, por exemplo, LATREIA aparece se referindo ao templo, ao tabernáculo (Hb 8.5; Hb 9.9; Hb 10.2; Hb 13.10). Portanto, precisamos concluir que a palavra LATREIA basicamente significa "serviço", "serviço de obediência". É justamente o que Paulo descreveu (Rm 12.1). “A verdadeira adoração cristã nos conclama a declarar a superioridade absoluta de Deus”. Caro leitor (a), você tem este sentimento em relação a adoração?

3) ADORAÇÃO É REVERENCIAR.

A palavra grega é SEBEIN, usada em ligação ao temor a Deus. Ter temor é, literalmente, ter medo e, por isso, reverência. Assim, reverência e temor andam juntas wna adoração. O terror do Senhor impele o pecador a afastar-se, com temor não somente de sua Majestade, mas também pelo modo que se irá adorar a Deus. Adorar requer uma reverente preocupação com o que agrada ao Senhor (Jo 9.31). Conectadas com a raiz de SEBEIN, andam, lado a lado, as palavras injustiça (Rm 1.18) e piedade (II Tm 3.12). Portanto, não podemos violar os padrões colocados por Deus em sua Palavra quanto a adoração. Precisamos temer e reverenciar ao Rei. Uma adoração que reverencia ao Senhor é aquela que não é isolada de uma vida piedosa em Cristo, na prática de o seguir. Teme, você, debalde (em vão, inutilmente) a Deus? (Jó 1.19)

4) ADORAÇÃO É SERVIÇO SACERDOTAL.

A palavra grega é LEITOURGEO. O Antigo Testamento usa freqüentemente esse termo para indicar o ministério sagrado dos sacerdotes. No sentido amplo, era o serviço para o povo, abrangendo todos os tipos de serviço à comunidade, obrigado ou voluntário, pagando-se com o próprio bolso. No Novo Testamento refere-se a formalidade litúrgica (At 13.2) como uma adoração comum, bem como o serviço sacerdotal (Rm 15.16) e assistência a outros (Fp 2.25, 30). Assim, o modelo litúrgico converge-se em Cristo (Hb 2.6), seja na invocação, confissão, louvor, edificação, dedicação ou benção.

Foi a partir da reforma que se solidificou uma das mais maravilhosas doutrinas da graça: o sacerdócio universal dos crentes. O que antigamente era realizado pelos levitas, agora pode ser manifestado pela Igreja, pelos lavados e remidos no sangue de Cristo. Logo, adorar é serviço sacerdotal. Liturgar é realizar um serviço para o povo de Deus por intermédio da oração, jejum e ensino. Os cristãos exercem sua liturgia sempre que servem a seus irmãos, motivados pelo amor ao Senhor Jesus. A lógica é simples: se nós servimos a Deus, servimos à Igreja de Deus. Se servimos aos irmãos em Cristo Jesus é porque antes já servimos a Deus de coração. Caro leitor (a), você tem este sentimento em relação a adoração?

PARA PENSAR:

“O culto é a parcela do serviço total do povo de Deus, no qual o Senhor vem ao seu encontro, requer sua adoração, mostra-lhe o seu pecado, perdoa-lhe quando se arrepende, confia-lhe sua mensagem e espera a sua resposta em fé, gratidão, amor e obediência” (Messias Valverde).

Rev. Ângelo Vieira da Silva