ANJOS DA GUARDA


Estudar angelologia, ramo da teologia que estuda os seres angelicais, é um grande desafio. Ainda mais hoje, quando o ensino bíblico nos púlpitos é escasso e muitos cristãos podem ser facilmente iludidos por fundamentos teológicos dissimulados. Para evitar um desvio da verdade quanto ao tema, pretendo colaborar com a compreensão bíblica acerca da organização dos seres angelicais em breves pastorais.

Ao final da série de estudos sobre a organização angelical ofereço uma breve meditação acerca do fenônomo religioso que envolve os chamados "anjos da guarda". Lembremos que por “organização” busca-se compreender o “sistema”, “o modo pela qual se organizam” os seres angelicais, isto é, a estrutura na qual são designados. Dentro desse aspecto fundamental, a angelologia bíblica oferece fundamentos para crermos que Deus organizou os seres angelicais em classes ou categorias, ordens ou graus, multidões ou companhias, como uma hierarquia. Após aprendermos sobre os querubins e serafins, principados, potestades, poderes, tronos e domínios/soberanias, bem como sobre Gabriel, Miguel e o adversário, Satanás, o Diabo, endireitemos a visão quanto à guarda dos anjos (obviamente, os eleitos).

Creio que este assunto, "anjos da guarda", não se trata, essencialmente, de uma doutrina genuinamente bíblica ou um aspecto inerente da organização angelical. O apresento em virtude da sua relevância, considerando que muitos cristãos protestantes “acreditam” em anjos da guarda. É verdade que a expressão “anjo da guarda” não aparece em nenhum texto da Escritura. Isso, entretanto, não oferece fundamento suficiente para excluirmos a ideia teológica. É preciso aprofundar mais, examinar os possíveis textos bíblicos que a sustentem, bem como apresentar sua origem dogmática.

É fato que algumas expressões bíblicas podem sugerir a existência de uma classe angelical específica “de guarda” ou mesmo que existem anjos para cada pessoa, que cuidam da mesma sob as ordens do Senhor. Há duas passagens principais nesse interim: “Eles lhe disseram: Estás louca. Ela, porém, persistia em afirmar que assim era. Então, disseram: É o seu anjo” (At 12.15); “vede, não desprezeis a qualquer destes pequeninos; porque eu vos afirmo que os seus anjos nos céus veem incessantemente a face de meu Pai celeste” (Mt 18.10).

Quanto ao texto do livro de Atos dos Apóstolos, que trata dos eventos extraordinários realizados por um único anjo para a libertação de Pedro, temos unicamente a confirmação da existência de uma crença supersticiosa muito comum aos judeus. É importante registrar que já no judaísmo primitivo havia a crença em anjos que guardavam nações e pessoas. Eis a razão pela qual Rode, a mulher que atendeu a porta, pensou se tratar do anjo de Pedro, considerando o pensamento que o anjo da pessoa assumia a aparência da mesma que era guardada por ele (talvez o mesmo caso ocorra em Mt 14.26). Eram os chamados “anjos da face”, assim como o arcanjo Miguel era retratado como “príncipe da face”.

Quanto ao texto do Evangelho de Mateus, que trata dos pequeninos, sejam eles infantes ou neófitos/discípulos, a expressão “seus anjos” não deve ser tomada sob uma perspectiva particular, mas geral, abrangente, focada no grupo em questão. Jesus fala de cristãos e seus anjos no sentido coletivo. Portanto, fundamentar a crença em anjos da guarda nesse texto (essencialmente particulares) não faz sentido. 

Entendo que essas citações bíblicas e muitas outras mais abrangentes não amparam o conceito de “anjo da guarda”, pelo contrário, reforçam o princípio bíblico de “anjos que guardam” ou “anjos que guardaram”. Há muita diferença entre a primeira e as demais expressões. “E evidente que Deus emprega seus anjos de diferentes maneiras, pondo um só anjo sobre várias nações e também vários anjos sobre um só homem” (João Calvino).

Em nossos dias “anjo da guarda” é um conceito católico-romano que se refere a ideia de que o Senhor concede a cada cristão ou pessoa um anjo específico que o guarda, o que pode ocorrer em seu nascimento ou a partir de sua salvação. Tal anjo estaria encarregado de proteger e cuidar da pessoa em momentos perigosos. Inclusive, há celebrações, orações, medalhas, terços, anéis e imagens destinadas a esses seres angelicais. Cito o catecismo católico romano: “61. Como é que os anjos estão presentes na vida da Igreja? A Igreja une-se aos anjos para adorar a Deus, invoca a sua assistência e celebra liturgicamente a memória de alguns. ‘Cada fiel tem ao seu lado um anjo como protector e pastor, para o conduzir à vida’ (S. Basílio Magno)”. Também é verdade que em dias mais recentes a doutrina romana dos “anjos da guarda” foi incorporada a movimentos espiritualistas, conectando-os ao horóscopo, a terapia de cores, a simpatias com seus pseudo-nomes, a campanhas de troca do anjo ou de como descobrir seu anjo da guarda... enfim, eis um complexo caminho de sucessivos erros e enganos.

Creio que os anjos guardam o povo de Deus indistintamente sob a ordem do Senhor. Não há particularidades, mas apenas aspectos da providência nos quais Ele pode ou não usar os seres celestiais. Afinal, são todos eles espíritos ministradores (Hb 1.14; Lc 16.22; Sl 34.7). Portanto, cuide-se! Não há anjos da guarda ou um anjo especial para você. Não há anjos que regem sua vida pelo dia que você nasceu ou se converteu. Deus é, em primeiro lugar, aquele que te guarda e que, soberanamente, te sustem pelo caminho. Os métodos, os meios ou as circunstâncias em que Ele operará a sua vontade não nos cabe buscar, mas apenas compreender e agradecer, sejam através de anjos ou não.

De um jeito ou de outro, os anjos sempre estiveram ao nosso redor. Seja na história ou nas estórias, na Bíblia ou em outros escritos religiosos, em filmes ou séries de televisão, os anjos estão lá. Assim, em meio a esse vasto e observável universo angelical, oro para que a Igreja de Jesus veja os seres angelicais como eles realmente são: seres criados, espirituais, incorpóreos, racionais, morais, poderosos, imortais, numerosos e organizados (querubins, serafins, principados, potestades, poderes, tronos e domínios/soberanias), nomeados ou não (Gabriel, o arcanjo Miguel, Satanás), sejam eles eleitos (anjos que guardam) ou reprovados.

Rev. Ângelo Vieira da Silva

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O SIGNIFICADO BÍBLICO DO JEJUM


“O que temos de melhor é o que nos falta” (C. S. Lewis)

A leitura do primeiro capítulo do livro do profeta Joel conclama: “promulgai um santo jejum, convocai uma assembleia solene, congregai os anciãos, todos os moradores desta terra, para a Casa do Senhor, vosso Deus, e clamai ao Senhor” (Jl 1.14). Foi a partir esse versículo que iniciei uma série de estudos pessoais sobre as noções bíblicas do jejum, também direcionando os cristãos acerca desta prática bíblica, o que pode ser lido em pastorais neste blog (clique aqui).

No estudo bíblico, tanto o texto hebraico (tsom) como o grego (nesteia) para a palavra “jejum” envolvem a “abstinência de alimento”, aplicadas tanto em sentido religioso (At 27.9; Lv 16.29) como social, isto é, pobreza ou necessidade (Mc 8.1-3; Mt 15.32). Leia abaixo:

At 27.9“Depois de muito tempo, tendo-se tornado a navegação perigosa, e já passado o tempo do Dia do Jejum [Dia da Expiação], admoestava-os Paulo”.

Lv 16.29“Isso vos será por estatuto perpétuo: no sétimo mês, aos dez dias do mês, afligireis a vossa alma e nenhuma obra fareis, nem o natural nem o estrangeiro que peregrina entre vós”.

Mc 8.1-3“Naqueles dias, quando outra vez se reuniu grande multidão, e não tendo eles o que comer, chamou Jesus os discípulos e lhes disse: 2 Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanecem comigo e não têm o que comer. 3 Se eu os despedir para suas casas, em jejum, desfalecerão pelo caminho; e alguns deles vieram de longe”.

Mt 15.32“E, chamando Jesus os seus discípulos, disse: Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanece comigo e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça pelo caminho”.

Focando-se no aspecto religioso, o jejum envolverá privação de aliementos, ocorrendo em moldes completo ou parcial (Ex 34.28; Dn 10.2-3). Seja o convocado ou o voluntário (II Cr 20.3; Dn 9.3), deverá ter um período para sua relização (Et 4.16), bem como uma causa específica, o seu propósito (II Sm 12.16).

Ore, medite e jejue. Que sua espiritualidade seja sincera, verdadeira e repleta da presença do Senhor. Afinal, “quando o significado de Deus diminui, o jejum desaparece” (Edward Farrell).

Rev. Ângelo Vieira da Silva