Dentro da realidade brasileira, principalmente nas últimas décadas, é possível que rastreemos o termo “desigrejados” nas contínuas e crescentes conversões de católicos romanos ao protestantismo histórico ou pentecostal. Considerando São Cipriano, teólogos medievais e/ou o Concílio Vaticano II que declararam a tese “fora da Igreja não há salvação” (extra Ecclesiam nulla salus), muitos alcunharam os novos protestantes de “desigrejados”, como um sinônimo de excomunhão. Em anos recentes, o contexto protestante histórico, pentecostal e neopentecostal experimenta um progressivo e inquietante afastamento de muitos membros que, ao contrário dos que deixaram o catolicismo para o protestantismo (de uma denominação para outra), abandonam as instituições de tradição evangélica não necessariamente para outra religião ou para o ateísmo. Com maiores proporções, também são chamados de “desigrejados”, um fenômeno que não pode ser observado sem o exame de várias nuances e que, a princípio, trata-se de outro ponto de vista do Evangelho.
É provável que muitos tratem os “desigrejados” como desviados do Caminho, como aquela “gente difícil de lidar”, como pessoas que não se sujeitam às autoridades, como insolentes questionadores, etc. Ainda que seja possível esse parecer, qualquer pessoa sóbria que se arrisque a opinar sobre esse tema compreenderá que não é possível colocar todos os “desigrejados” numa mesma fôrma. É por isso que o termo é considerado pejorativo, ofensivo e errôneo, pois não representa a realidade dos fatos. Creio que a melhor forma de compreender esse fenômeno da religião envolve três observações iniciais: (1) alguns “desigrejados” podem ser desviados ou anticristãos; (2) outros “desigrejados” são cristãos antidenominacionais; e (3) cristãos antidenominacionais não são superiores aos cristãos denominacionais. A seguir, explicarei cada uma delas.
O pensamento popular, pelo menos o mais percebido por mim, infere que todos os “desigrejados” são cristãos desviados e, na pior das hipóteses, são anticristãos. Isso não corresponde à realidade, mas é uma fração dela. Se esse é o seu caso e dependendo da visão teológica, tendo em mente alguém que foi batizado, que participou da mesa do Senhor e do serviço sagrado (etc.), esse “desigrejado” será alguém a ser buscado (como uma ovelha fora do curral) ou alguém a ser ignorado (pois vive a apostasia).
São poucos que veem os intitulados “desigrejados” como cristãos antidenominacionais. É estranho, pois a maioria dos que já ouvi, assim se define. Ou não estão ouvindo ou estão ignorando... Bem, essa observação é fundamental porque a maioria dos argumentos contra o “movimento dos desigrejados” não se aplica, não se sustenta. Cristãos antidenominacionais são favoráveis ao congregar, ao estar perto das pessoas, à comunhão e, até mesmo, lideranças. Eles não são contra essas verdades bíblicas, mas se opõem às denominações enquanto sistema e/ou templo. Não há uma razão absoluta para isso, mas é provável que alguns foram abusados, outros explorados, outros humilhados. Há ainda aqueles que encontraram em determinado sistema religioso falhas incorrigíveis, pastores avarentos, teologias vazias e desprovidas de Deus. São tantas razões... Como descrever todas?
É essencial que os cristãos antidenominacionais não se vejam como superiores, mais espirituais ou “mais salvos” do que os cristãos denominacionais, que vivem a vida com Deus em uma igreja com sistema de governo e confissão de fé próprias. Quaisquer membros de igrejas institucionalizadas deveriam ser capazes de reconhecer que não há uma comunidade perfeita ou uma necessidade salvífica por um templo; não há uma liderança impecável ou uma confissão de fé superior as Escrituras Sagradas.
Aos cristãos denominacionais, não-denominacionais e desviados rememoro a essência do que significa ser Igreja: aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura (Hb 10.22). Sejamos cooperadores da verdade (2 Co 6.1; 3 Jo 8), reunidos como a assembleia dos santos (Sl 149.1), unidos como família (Ef 2.19) e crescendo como lavoura e edifício de Deus (1 Co 3.9). Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel (Hb 10.23). Ligados à videira verdadeira, produzamos ainda mais fruto (Jo 15.1-2), servindo e amando uns aos outros (Jo 15.17; Rm 12.10; Hb 10.24). Até que o Supremo Pastor se manifeste, procuremos com zelo os dons espirituais (1 Co 14.1), desenvolvendo a vossa salvação com temor e tremor (Fp 2.12), progredindo, assim, para a edificação da igreja (1 Co 14.12). E não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima (Hb 10.25).
Deus nos abençoe.
Rev. Angelo Vieira da Silva
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