O dia 10/03 remete-nos à lembrança dos acontecimentos em torno do primeiro culto protestante no Brasil. É uma data muito especial. Quer conhecê-la? Pois bem, vejamos seu contexto histórico.
O Brasil era colônia portuguesa em regime de “Padroado”. O historiador presbiteriano, Dr. Alderi Matos, define o padroado como sendo “uma concessão feita pela Igreja Católica a determinados governantes civis, oferecendo-lhes certo controle sobre a igreja em seus respectivos territórios como um reconhecimento por serviços prestados à causa católica e um incentivo a futuras ações em benefício da igreja”. Em 1493, o Papa Alexandre VI redigiu um documento declarando a supremacia espanhola sobre as terras descobertas. Em 1494, o Tratado de Tordesilhas determinou o que seria da Espanha e o que seria de Portugal nas novas descobertas. Em 1549, chegaram os primeiros seis jesuítas ao Brasil (a Companhia de Jesus foi organizada 9 anos antes, em 1540). Em 1553, chega o mais famoso dos jesuítas, José de Anchieta. Em 1555, sob a liderança de Nicolas Durand de Villegaignon, um grupo de seiscentos franceses fundaram o Forte Coligny na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, dando origem à “França Antártica”, ficando assim conhecida como “a Invasão Francesa”.
Villegaignon solicitou a João Calvino o envio de pastores. Em 07/03/1557, chegaram dois pastores (Pierre Richier e Guillaume Chartier), um grupo de huguenotes (protestantes franceses) e refugiados vindos de Genebra, numa segunda expedição. Em 10/03/1557 celebraram o primeiro culto protestante em solo brasileiro. Em 21/03/1557 ocorreu a primeira celebração da Santa Ceia em rito Genebrino.
Infelizmente Villegaignon não era o que todos pensavam. Assim, o “ex-frade” Jean Cointac levantou questões sobre o sacrifício da missa, a doutrina e usos dos sacramentos, a invocação e mediação dos santos, a oração pelos mortos, o purgatório e muitas outras que fizeram com que Villegaignon posicionasse católico e passasse a perseguir os huguenotes. Esses últimos buscaram refúgio entre os índios tupinambás. Tentaram fugir por navio, mas esse afundou. Cinco voltaram e foram aprisionados por Villegaignon. Surgiu assim a “Confissão de Fé da Guanabara” que culminou no enforcamento dos calvinistas.
O documento em anexo é um testemunho fiel das Sagradas Escrituras. É uma prova do preparo e do conhecimento profundo que os primeiros protestantes no Brasil detinham. A ‘Confissão de Fé de Guanabara’ é a profissão de fé desses irmãos protestantes, obrigados por Villegaignon, escrita no prazo de doze horas, respondendo à várias perguntas formuladas maliciosamente. Mais do que sua confissão de fé, os primeiros protestantes no Brasil estavam assinando a própria sentença de morte diante do ‘desconvertido’ Villegaignon. Incentivo os queridos irmãos a lerem o documento abaixo. Vale a pena ler e aprender com a história.
Ao final de tudo, alguns conseguiram escapar e outros foram condenados à morte. Os que morreram foram enforcados e seus corpos atirados de um despenhadeiro em 1558. Antes de morrer, entretanto, deixaram um testemunho que ficou registrado para a posteridade e, pela graça de Deus em Jesus Cristo, para a eternidade.
Rev. Ângelo Vieira da Silva
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CONFISSÃO DE FÉ DE GUANABARA
Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre
Bourdon e André la Fon
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Segundo
a doutrina de S. Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos
os cristãos devem estar sempre prontos para dar razão da esperança que neles
há, e isso com toda a doçura e benignidade, nós abaixo assinados, Senhor de
Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem
concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e
começando no primeiro artigo:
I. Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da
terra, e de todas as coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto
em três pessoas: o Pai, o Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão
uma mesma substância em essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e
começo de todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a
plenitude do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo
Espírito, nasceu da virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela
estavam, a fim de que recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo
Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela
boca dos profetas, sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Cristo
aos apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e
perseverança em todo bem.
Cremos que é mister somente adorar
e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade de Deus em fé ou
particularmente.
II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da
outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana nele
inseparáveis.
III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a
Palavra de Deus e a doutrina apostólica, e o símbolo,[1]
nos ensinam.
IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos,
em forma visível e humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em
que nos predisse no capítulo vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de
julgar, a Ele dado pelo Pai, sendo homem. E, quanto ao que dizemos em nossas
orações, que o Pai aparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que
o poder do Pai, dado ao Filho, será manifestado no dito juízo, não todavia que
queiramos confundir as pessoas, sabendo que elas são realmente distintas uma da
outra.
V. Cremos que no santíssimo sacramento da ceia, com as figuras
corporais do pão e do vinho, as almas fiéis são realmente e de fato alimentadas
com a própria substância do nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são
alimentados de alimentos, e assim não entendemos dizer que o pão e o vinho
sejam transformados ou transubstanciados no seu corpo, porque o pão continua em
sua natureza e substância, semelhantemente ao vinho, e não há mudança ou
alteração. Distinguimos todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao
uso comum, sendo que este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é
infalivelmente recebida. Ora, esta recepção não se faz senão por meio da fé e
nela não convém imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer,
como santo Agostinho nos ensina, dizendo: “Porque preparas tu os dentes e o
ventre? Crê, e tu o comeste.” O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa
significada; mas Nosso Senhor Jesus Cristo, por seu poder, virtude e bondade,
alimenta e preserva nossas almas, e as faz participantes da sua carne, e de seu
sangue, e de todos os seus benefícios.
Vejamos a interpretação das
palavras de Jesus Cristo: “Este pão é meu corpo.” Tertuliano, no livro quarto
contra Marcião, explica estas palavras assim: “este é o sinal e a figura do meu
corpo.” S. Agostinho diz: “O Senhor não evitou dizer: — Este é o meu corpo,
quando dava apenas o sinal de seu corpo.” Portanto (como é ordenado no primeiro
cânon do Concílio de Nicéia), neste santo sacramento não devemos imaginar nada
de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho, que nos são neles propostos por
sinais, mas levantar nossos espíritos ao céu para contemplar pela fé o Filho de
Deus, nosso Senhor Jesus, sentado à destra de Deus, seu Pai. Neste sentido podíamos jurar o artigo da
Ascensão, com muitas outras sentenças de Santo Agostinho, que omitimos, temendo
ser longas.
VI. Cremos que, se fosse necessário pôr água no vinho, os evangelistas
e São Paulo não teriam omitido uma coisa de tão grande conseqüência. E quanto ao que os doutores antigos têm
observado (fundamentando-se sobre o sangue misturado com água que saiu do lado
de Jesus Cristo, desde que tal observância não tem fundamento na Palavra de
Deus, visto mesmo que depois da instituição da Santa Ceia isso aconteceu), nós
não podemos hoje admitir necessariamente.
VII. Cremos que não há outra consagração senão a que se faz pelo ministro,
quando se celebra a ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem
conhecida, a instituição desta ceia literalmente, segundo a forma que nosso
Senhor Jesus Cristo nos prescreveu, admoestando o povo quanto à morte e paixão
do nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração é a palavra
de fé que é pregada e recebida em
fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente
pronunciadas sobre os sinais não podem ser a consagração como aparece da
instituição que nosso Senhor Jesus Cristo deixou aos seus apóstolos, dirigindo
suas palavras aos seus discípulos presentes, aos quais ordenou tomar e comer.
VIII. O santo sacramento da ceia não é alimento para o corpo como para as
almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo
quinto) recebendo-o por fé, a qual não é carnal.
IX. Cremos que o batismo é sacramento de penitência, e como uma entrada na
igreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão de nossos pecados passados e futuros, a
qual é adquirida plenamente, só pela morte de nosso Senhor Jesus. De mais, a
mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem, representada
pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso Senhor
Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é
ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observaram, usando de
água em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Quanto aos exorcismos,
abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos como tradições
dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por nosso
Senhor Jesus.
X. Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à
imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele
conheceu o que era livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem
apenas guardou este dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e
todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma
centelha do bem. Por esta causa, diz São
Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama
aos filho de Israel: “Tua perdição é de ti, ó Israel.” Ora isto entendemos do
homem que não é regenerado pelo Santo Espírito. Quanto ao homem cristão,
batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de vida, nosso
Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio, e reforma a vontade para
todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade
não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este santo apóstolo
declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer, mas em mim
não acho o realizar.” O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por
fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência. A
este propósito, S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.
XI. Cremos que pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da
qual, como diz santo Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele
condena ou absolve, não é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia.
Santo Agostinho, neste lugar diz
que não é pelo mérito dos homens que os pecados são perdoados, mas pela virtude
do Santo Espírito. Porque o Senhor dissera aos seus apóstolos: “recebei o Santo
Espírito;” depois acrescenta: “Se perdoardes a alguém os seus pecados,” etc.
Cipriano diz que o servo não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.
XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há
necessidade de conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode
dar o Santo Espírito, porquanto isto só a Deus pertence. No tocante à ordem
eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela escreveu na primeira epístola a
Timóteo, e em outros lugares.
XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por
casamento não se pode fazer senão por causa de adultério, como nosso Senhor
ensina (Mateus 19:5). E não somente se pode fazer a separação por essa causa,
mas também, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, se
não podendo conter-se, deve casar-se, como São Ambrósio diz sobre o capítulo
sete da Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado, todavia, deve nisso
proceder com madureza de conselho.
XIV. São Paulo, ensinando que o
bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que não lhe seja lícito
tornar a casar, mas o santo apóstolo condena a bigamia a que os homens daqueles
tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento aos mais
versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa fé sobre esse ponto.
XV. Não é lícito votar a Deus, senão o que ele
aprova. Ora, é assim que os votos monásticos só tendem à corrupção do
verdadeiro serviço de Deus. É também grande temeridade e presunção do homem
fazer votos além da medida de sua vocação, visto que a santa Escritura nos
ensina que a continência é um dom especial (Mateus 15 e 1 Coríntios 7).
Portanto, segue-se que os que se impõem esta necessidade, renunciando ao
matrimônio toda a sua vida, não podem ser desculpados de extrema temeridade e
confiança excessiva e insolente em si mesmos. E por este meio tentam a Deus,
visto que o dom da continência é em alguns apenas temporal, e o que o teve por
algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os monges, padres e
outros tais que se obrigam e prometem viver em castidade, tentam contra Deus,
por isso que não está neles o cumprir o que prometem. São Cipriano, no capítulo
onze, diz assim: “Se as virgens se dedicam de boa vontade a Cristo, perseverem
em castidade sem defeito; sendo assim fortes e constantes, esperem o galardão
preparado para a sua virgindade; se não querem ou não podem perseverar nos
votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo da lascívia por
seus prazeres e delícias.” Quanto à passagem do apóstolo S. Paulo, é verdade
que as viúvas tomadas para servir à igreja, se submetiam a não mais casar,
enquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes reputasse
ou atribuísse alguma santidade, mas porque não podiam bem desempenhar os
deveres, sendo casadas; e, querendo casar, renunciassem à vocação para a qual
Deus as tinha chamado, contudo que cumprissem as promessas feitas na igreja,
sem violar a promessa feita no batismo, na qual está contido este ponto: “Que
cada um deve servir a Deus na vocação em que foi chamado.” As viúvas, pois, não faziam voto de
continência, senão porque o casamento não convinha ao ofício para que se
apresentavam, e não tinha outra consideração que cumpri-lo. Não eram tão
constrangidas que não lhes fosse antes permitido casar que se abrasar e cair em
alguma infâmia ou desonestidade. Mas, para evitar tal inconveniência, o
apóstolo São Paulo, no capítulo citado, proíbe que sejam recebidas para fazer
tais votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que é uma idade normalmente
fora da incontinência. Acrescenta que os eleitos só devem ter sido casados uma
vez, a fim de que por essa forma, tenham já uma aprovação de continência.
XVI. Cremos que Jesus Cristo é o nosso único Mediador, intercessor e
advogado, pelo qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue,
seremos livres da morte, e por ele já reconciliados teremos plena vitória
contra a morte. Quanto aos santos mortos, dizemos que desejam a nossa salvação
e o cumprimento do Reino de Deus, e que o número dos eleitos se complete;
todavia, não nos devemos dirigir a eles como intercessores para obterem alguma
coisa, porque desobedeceríamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos,
enquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos
outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escrituras.
XVII. Quanto aos mortos, São Paulo, na Primeira Epístola aos
Tessalonicenses, no capítulo quatro, nos proíbe entristecer-nos por eles,
porque isto convém aos pagãos, que não têm esperança alguma de ressuscitar. O
apóstolo não manda e nem ensina orar por eles, o que não teria esquecido se
fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Salmo 48, diz que os espíritos dos
mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida; que se nada
fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.
Esta
é a resposta que damos aos artigo por vós enviados, segundo a
medida e porção da fé, que Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em
nós não seja morta, antes produza frutos dignos de seus filhos, e assim,
fazendo-nos crescer e perseverar nela, lhe rendamos graças e louvores para
sempre. Assim seja.
Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre
Bourdon, André la Fon.