Sou um pastor presbiteriano típico, como muitos outros de nossa nação cristã. Convertido, fui batizado e professei a fé. Chamado e vocacionado, fui aprovado pela igreja local e pelo respectivo Presbitério, sendo enviado ao Seminário para melhor preparo. Terminados os estudos teológicos, a árduos exames presbiteriais fui submetido e, benevolentemente, aprovado. O resultado foi a ordenação ao Sagrado Ministério da Palavra. A partir daquele dia era mais um Ministro do Evangelho na Igreja Presbiteriana do Brasil. Pastorei e estudei um pouco mais. Validei os créditos de Teologia. Pastoreei e também conclui o mestrado. Enfim, muitos viveram o mesmo que eu. Aponto uma trajetória comum com a esperança de ser ouvido pelos companheiros. São reflexões pessoais sobre temas incomuns à tal distinta jornada. É incrível como um jovem pastor já tem muito a desabafar.
"Desabafos", essa foi a palavra que escolhi para expressar os principais pensamentos e sentimentos que me embaraçam no exercício franco do Ministério da Palavra desde que me formei em Teologia, há quase quatorze anos. São tantas declarações, aconselhamentos, visitas, leituras, ultrajes, visões, gestos, perseguições e percepções do mundo ao redor que qualquer jovem pastor ficará assustado, isso é, aqueles que queiram, sinceramente, se dedicar ao Reino. Receio por onde iniciar, mas devo desabafar.
Desabafo...No meu tempo (nem há quinze anos atrás!) havia uma legítima atmosfera pelo exercício pastoral fiel. Dela exalei, me preparei, estudei, formei e pastoreei desde então. Como num fenômeno climático devastador, a atmosfera mudou; os ares são outros. Não se pensa tanto em pastorear, "cuidar de", a não ser de si mesmo. As inspirações são a obtenção de títulos, cargos eclesiásticos de expressão, as igrejas maiores, os grandes centros; como se isso fosse ajudar a "Maria" cheia de fé que jaz no esquecimento da congregação porque o Pastor simplesmente não pastoreia. Opa! Não me julgue rápidamente... Eu mesmo estudo e encorajo a todos no caminho da busca pelo conhecimento. Minha crítica é focada em pastores desobrigados com o Ministério, que se escondem no slogan "meu dom é o de ensino". Ah, por favor! Não me venha com "xurumelas"!* Se és Pastor, és Mestre - ou deveria ser - é possível conceber a ideia de um Pastor que não ensine?
Já me sinto afadigado por ver gente despreparada usar o pastorado como trampolim para um Mestrado, Doutorado, para as Capitais e os Reais. Fazem da Teologia o "carro-chefe" e nem mesmo leram completamente a Regra, uma única vez sequer. As igrejas? Só enfraquecem. Enquanto desejam ouvir uma mensagem bíblica que lhes seja relevante, os ditos pastores preferem doutrinar a Confissão, o Credo e a Sistemática que podem ser errantes - são boas, mas não a primazia. Vigio, por mim. Não quero ser assim. Dona "Maria", precisas de mim?
Desabafo... Nos dias de aspirantado** ouvi de um mentor que pastorearia em tempos difíceis. Profecia? Revelação Celestial? Não, foi pura percepção de uma realidade onde o Ministério é acusado de Profissão, onde o Pastor é ladrão e o Ladrão é pastor, onde o Protestante é travestido de Evangélico (no sentido pejorativo do termo), onde o Culto Solene adquire status de comércio e busca por prosperidade, onde a quantidade sem qualidade é melhor do que a qualidade com quantidade.
Há dias em que penso em desistir, abandonar tudo. Seria apenas eu? Duvido. O pastor dedicado ao chamado genuíno sofre, é perseguido, incompreendido, cobrado como um empregado. Se vê espreitado entre satisfazer o Senhor que o arregimentou ou amaciar o ego da liderança que o pagou. Enquanto ora para o Senhor abrir os olhos do pecador, vê ao seu redor a hipocrisia dos fariseus pós-modernos, cegos e guias de cegos. Todavia, lembro-me do Supremo Pastor e as nuvens escuras se desfazem. Tudo se dissipa. Os olhos são descerrados e a mente recorda: o “Chamado”. Sim, a vocação sustenta nestes dias maus. A convicção de que Deus chamou dá força para seguir em frente e, mesmo angustiados na alma, tentamos ser pastores segundo o coração de Deus. Afinal, Ele tem um propósito para cada um de nós neste Ministério.
Imagino quantos desabafos poderia descrever... muitos seriam! Mas, quem ouvirá ou lerá sobre eles? Quem os reproduziria ou os subscreveria? Penso em mim mesmo. Escrevo para mim, para me lembrar. Não posso me conformar. Será possível mudar esta realidade? Quem sabe, melhorá-la, pelo menos? Enquanto há vida, há esperança, devo rememorar. Os desabafos são a oportunidade de dizer o que muitos escondem, de revelar que somos apenas simples homens. Todos precisamos desabafar. Me resta registrar: quero trazer a memória o que me pode dar esperança.
Rev. Ângelo Vieira da Silva
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* Expressão humorística bem conhecida.
* Na Igreja Presbiteriana do Brasil, ser Aspirante é o primeiro passo no ingresso ao Ministério Pastoral.
5 comments
Ola Rev. Angelo, não o conheço pessoalmente mas acompanho em blog e nas redes sociais, e tenho afeto a sua pessoa, eu não sou pastor e me sinto desabafado com suas palavras, já escrevi algumas coisas desse tipo em meu blog, e me ponho de joelhos a orar não só por ti mas também por todos os amados que realmente desejam a produzir a bem do sagrado ministério, vivemos a tempo uma perca de valores, creio que por motivos da comercialização de ministérios, com pessoas que se fazem de pastores para seu bel prazer, onde o justos pagam pelos "porqueiras" que vimos todos os dias, como já disse não sou pastor mais no ministério diaconal e de musica tenho sofrido duras e sórdidas perseguições. Acorda liderança de nossas igrejas vivamos o evangelho pleno, abramos os nossos corações para ver com os olhos de Deus, e assim homens de Deus poção trabalha para o engrandecimento do Reino
Sola Gratia
Ósculo Santo amado Reverendo que o ministério dado pro deus a ti seja tudo em sua vida.
Obrigado, parceiro!
Fui ler o Pastor Ângelo. O “P” maiúsculo não é deferência, apenas uma herança na minha formação. Mais ou menos como se faz em Alemão para os substantivos.
O primeiro desabafo, se entendi bem, são sobre os novos ares que mudaram os outrora ares. E quais seriam esses ‘novos’ ares?
“Não se pensa tanto em pastorear, ‘cuidar de’, a não ser de si mesmo. As inspirações são a obtenção de títulos, as igrejas maiores, os grandes centros [...]. Minha crítica é focada em pastores desobrigados do Ministério que se escondem no slogan ‘meu dom é o de ensino’... Se és Pastor, és Mestre”.
1. Um pouco antes li que “... Pastorei e estudei um pouco mais. Validei os créditos de Teologia. Pastorei e, hoje, sou mestrando em Ciências da Religião.”
2. Quer dizer que ele ‘cuidou de’ (validar, etc.), mas quando outros ‘cuidam de’, aí o qualificativo é de ‘si mesmo[s]’?
3. Sim, mas ele está focando, porém, naqueles que se sentem ou são desobrigados do ‘Ministério’(?). Assim, sem maior qualificativo, ou qualificando a palavra como no sentido mais estrito de ‘pastorear’, que, no caso, era ou é o dele.
4. Percebo, portanto, que a distinção para ‘validar’ um diploma (o dele) é diferente do próprio ‘diploma’ daquele que se desobrigaria de ser ‘Pastor’ no sentido de ‘Ministério’ (sentido muito particular que dá ele à palavra), e passasse a correr na pista do triatlo do ‘ensino’ (em oposição ao ‘pastoral’?) com os requisitos acadêmicos chancelados pelas respectivas titularidades, mestrado, doutorado, etc.
5. Imagino, assumindo que, sendo Pastor na IPB, dois seminários poderiam ter-lhe servido de formação acadêmica, pelo menos, o SPS e SPN. Imagino mais, seus professores dedicando tempo integral ao ensino e nos finais de semana se desdobrando para realizar suas atividades de ‘Ministério’. Mas aparentemente o Pastor Ângelo faz uma crítica pessoal àqueles que se servem do ‘Ministério’ para seus próprios interesses, esquecendo (porquanto está fazendo um desabafo) que titularidade é condição sine qua non para preparar Pastores, imagino (como em outras áreas do conhecimento humano). Quer dizer, o desabafo até pode fazer sentido, mas ele desloca-o para outra área (acadêmica) a qual alguns aproveitam. Poderia, numa variante, e sem maldade, criticar o Presbítero tal e tal, lamentando o Presbiterato? Quer dizer, pareceu-me que atirou no que viu e acertou o que não viu.
6. “É possível conceber a ideia de um Pastor que não ensine?”. Tomando ‘Pastor’ e ‘ensino’ no sentido estrito, certamente seria uma impossibilidade. Pode-se ser ‘médico’ sem ser ‘cirurgião’, mas não vejo como ser pastor sem ‘ensinar’.
7. A questão é que o Pastor Ângelo provavelmente está criticando certa ‘classe sacerdotal’ que não quer suar o colarinho para visitar a Dona Maria doente, ralar nas visitas, preparar sermão, participar de reuniões de Conselho, e por aí vai... e talvez preferisse (o Pastor Ângelo usa um termo curioso, sem defini-lo, “...as inspirações...”) o conforto do mestrado ou doutorado para galgar a uma posição de ensino em alguma instituição eclesiástica com um ganho melhor.
8. “Já me sinto afadigado por ver gente despreparada usar o pastorado como trampolim para um Mestrado”, é apenas uma variante contrária ao desabado anterior.
9. Para mim esse desabafo (ainda que justo) não merece prosperar. O foco deve ser outro.
Fui ler o Comentário do Eduardo. O “C” maiúsculo não é deferência, apenas um gesto de respeito pelas muitas palavras em referência ao meu texto.
A primeira questão, se entendi bem, são sobre os novos ares que mudaram os outrora ares, ou seja, quais seriam esses ‘novos’ ares? Bem, Eduardo, me refiro às circunstâncias que desmerecem o Pastor zeloso pelo Rebanho que o Senhor lhe confiou. Os 'ares' são outros porque o ministério pastoral está sendo maculado por muitas notícias ruins, escândalos, relaxamentos, etc.
Ao que parece, você não entendeu alguns pontos de vista, Eduardo. Pedi: "Opa, não me julgue... Eu mesmo estudo e encorajo a todos ao caminho da busca pelo conhecimento". Em outras palavras, quero enfatizar que os Pastores devam 'cuidar de’ exercer seu ministério com fidelidade e 'cuidar de' adquirirem mais conhecimento para este mesmo ministério. Minha crítica pessoal foi deflagrada contra aqueles que ‘cuidam de’ si mesmos, esquecendo-se do ministério para qual foram chamados. O assunto é sobre a relação entre pastores e igrejas locais.
Pois foi exatamente isso que critiquei Rev. Ângelo.
Seu desabafo (não julgo o mérito dele), e até pode ser em si mesmo muito justo, foi endereçado CONTRA os que cuidam de si na tentativa de fazer a clara distinção entre aqueles que DEVEM EXERCER SEU MINISTÉRIO e aqueles (mas não necessariamente) que devem CUIDAR EM ADQUIRIR CONHECIMENTO.
A cunha feita entre uma coisa e outra é gratuita (i.e. não se sustenta).
Baseado em quê se pode dizer que estes "...que devem exercer seu ministério..." cuidam de si mesmos e os outros não (i.e., sem ou como se não o exercessem com 'fidelidade', ou deveriam cuidar do ministério como tal) como se os dois ministérios não pudessem andar juntos. como o ilustre Pastor cuidara do que era o seu?
O artigo postado em ULTIMATO pode parecer de uma pessoa momentaneamente frustrada (desanimada) ou chateada com o ministério Pastoral (novamente, não julgo o mérito se é isso ou não) e que ao olhar por sobre o 'muro' da realidade em sua instituição pode muito bem perceber que tem gente que sob a capa de 'doutores' andam conspurcando a docência.
Aliás, em conversa com amigos da IPB, ouço-os criticarem exatamente isso em uma de suas instituições em SP que tem e produz mestres e doutores fortalecendo, quiçá, a crítica do nobre Pastor aqui.
Se o ponto fulcral do desabafo pessoal (note-se que não é uma análise de mérito da questão Pastor-Mestre que ele assume que coexistem entre si, sem exclusão um do outro) era para "...enfatizar que os Pastores devam 'cuidar de’ exercer seu ministério com fidelidade E [destaque meu] 'cuidar de' adquirirem mais conhecimento para este mesmo ministério".
O que é que faz a 'ênfase' estampada no "E" ter fundamento, senão uma mera opiniologia?
Alguns, dirão, 'mas foi exatamente isso [opiniologia] na forma de desabafo'.
Bem, se assim, o objeto da crítica bateu na trave, a meu juízo, posto que teria passado juízo de valor, e, no mérito, julgado que a cunha entre um (Pastor) e o outro existe mesmo.
O problema também do texto do Rev. Ângelo é o uso solto de termos, 'ministério' por exemplo, que ele parece --- repito, 'parece' --- guardar mais para Pastor, algo que fosse um pouco mais distinto do 'outro' (mestres e doutores que pensariam mais em si mesmos).
Concedo, porém, que minha praia é outra. Sou advogado.
PS. Se o assunto é sobre a relação entre pastores e igrejas locais, em lugar algum do texto percebi: ou porque realmente não ficou claro, ou se ficou, passei batido.
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