Os leitores da Bíblia e estudantes de teologia costumam descobrir muitos dilemas na busca pelo entendimento das doutrinas. Paradoxos, contradições, antinomias e mistérios são exemplos dessa “tensão”. Ao que parece, os preceitos da soberania de Deus e da responsabilidade humana são postos dentro da tensão – na maioria dos casos – e são mais perceptíveis na discussão entre arminianos e calvinistas, os que creem em doutrinas sistematizadas a partir dos ensinos de Jacobus Arminius e João Calvino, respectivamente.
Em termos de definição prática, a soberania divina estabelece que Deus faz tudo o que for da sua santa vontade. A responsabilidade humana refere-se à liberdade e/ou responsabilidade do homem por todos os atos de sua vontade. Pois bem, muitos textos bíblicos reforçam a soberania de Deus. Outros muitos apontam a responsabilidade do homem em suas ações. Todavia, são os textos que evidenciam ambas as doutrinas que precisam nortear o entendimento de cada uma delas.
Com o intuito de contribuir para o ensino e a edificação da Igreja, pretendo tentar esclarecer – mesmo que pouco – a tensão entre os ensinamentos da soberania divina e a responsabilidade humana demonstrando que essas doutrinas não são excludentes (aqueles que aceitam uma e negam a outra) ou incompatíveis (aqueles que aceitam as duas em torno do mistério). Vejamos:
1. Essas doutrinas não são excludentes. Muitos acreditam que a soberania divina exclui a responsabilidade humana em uma, algumas ou em todas as formulações doutrinárias. Não creio que se deva excluir ensinamentos igualmente ensinados em muitos textos na Bíblia. Um exemplo é parte da primeira mensagem de Pedro em Atos: “sendo este [Jesus] entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23). Leiam também At 7.52 e At 4.27-28. Assim, corroboro com o pregador batista britânico Charles Haddon Spurgeon (1834-1892): “Se eu encontro em algum lugar da Bíblia o ensino de que tudo está predeterminado, esse ensino é verdadeiro; se eu encontro, em outro lugar nas Escrituras, que o homem é responsável por todos os seus atos, isso é também verdade. E é somente a minha estupidez que me leva a imaginar que essas duas verdades podem contradizer uma à outra. Não acredito que ambas possam ser soldadas em uma bigorna terrena, mas certamente serão uma só na eternidade”.
2. Essas doutrinas não são incompatíveis. Muitos sustentam que a soberania divina não combina com a responsabilidade humana em uma, algumas ou em todas as formulações doutrinárias. Não creio que se deva incompatibilizar verdades que são igualmente conciliadas em muitos textos na Bíblia. Um exemplo é o discurso de Paulo para a Igreja em Roma: “E Isaías a mais se atreve e diz: Fui achado pelos que não me procuravam, revelei-me aos que não perguntavam por mim. Quanto a Israel, porém, diz: Todo o dia estendi as mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10.20-21). Leiam também 2 Ts 2.11-12 e 2 Co 8.16-17. Como declarou o pregador batista americano James Petigru Boyce (1827-1888), “as Escrituras reconhecem tanto a soberania de Deus quanto a livre-agência e a responsabilidade do homem. Nossa própria consciência nos assegura do segundo ponto. A natureza de Deus prova o primeiro. A Bíblia não faz nenhuma tentativa para reconciliar a ambos”.
É extremamente complicado se manter nos polos da discussão, estudando e defendendo apenas uma dessas doutrinas bíblicas. Tanto a soberania divina como a responsabilidade humana são bem fundamentadas nas Escrituras. Considerando ambas as verdades, temos uma harmonia enigmática que a Bíblia nunca pretendeu explicar. Por isso, não me atrevo ir além do que foi dito na Palavra. Creio que Deus é soberano e o homem é responsável pelos seus atos. Aquele que se assenta no alto e sublime trono julgará as obras de todos os habitantes da Terra. Subscrevo que o Deus soberano considera o homem responsável pelos seus atos. Aquele que salva pela graça não violenta a vontade da criatura.
Rev. Ângelo Vieira da Silva
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